Thursday, June 17, 2010

Estações


Quando durmo, durmo como se tivesse morrido, e quando acordo, prefiro sempre ter continuado a dormir. O estado de espírito vai mudando com a mudança das estações, estas que mudam diariamente. As estações humanas, as quatro cores da alma, os quatro motores condutores do corpo. A minha Primavera está sem sol, o meu Verão congelou, o meu Outono vai perdendo cores e o meu Inverno é constante. Gélido e seguro, olha lá para fora, erecto numa varanda de insensibilidade, para a neve que cai no reino que é meu corpo.

Os dias são curtos, e as noites, as noites duram para sempre, porque, enquanto duram, parecem ser incessantemente eternas. Uma eterna e imperturbável solidão, que me permite pensar em palavras lidas em livros sem páginas.

Desço as escadas, numa lentidão metódica e calma, o Inverno não é apressado e a noite nunca acaba. Debato-me, desanimada, com o problema que é o esgotamento das minhas folhas mentais, que vão, a pouco e pouco, perturbadoramente, deixando de ter mais páginas, e eu, vou assim, deixando então de ter lugar onde escrever. Anseio por uma primavera com sol, com árvores cheias de folhas verdes e com risos humanos.

Caminho, descalça na neve, pensando em encontros que não se vão dar com pessoas que não existem, por isso, para compensar a solidão, cumprimento a neve num tom de voz de Verão. E ela, em jeito de resposta, vai-se derretendo enquanto eu continuo a andar. Os riachos do meu reino voltam assim a ser riachos e o vento desiste de fustigar o meu rosto. A geada cristaliza e, por solidariedade com as outras três estações, tenta adornar os ramos das árvores nuas, criando folhas de Primavera transparentes.

E hoje, agora, quando me vejo a aproximar do precipício do meu reino e volto as costas para o abismo, olho à minha volta. As nuvens não estão negras, o sol espreita por entre elas, os cumes das montanhas estão brancos, os riachos tornaram-se rios, as árvores raquíticas e estaladas do frio estão cheias de folhas cristalinas, e o chão, o chão que piso, é verde.

Finalmente, todas as estacões são agora uma só. Envolta numa intensa sensação de paz interior, e sem pensar mais, deixo-me cair no abismo com o rosto voltado para o céu.



Texto por: Snow White

(Imagem de: João Ruas)

5 comments:

Drake said...

Adorei!! Simplesmente breath taking mesmo :)

Darkangus said...

Adoro ler os teus textos à noite...
São como um manto de palavras que nos aconchegam no frio da noite existente em cada um de nós...

Domo...

Snow said...

Obrigada, comecei-o e acabei-o hoje mal acordei. Finalmente dormi um sono bom.

_GoDsHanD_ said...

Muito bom. Este apanhou-me e tirou-me o tapete debaixo dos pês. Adorei mesmo.
Arrisco-me a dizer que é o teu melhor texto em algum tempo.

Dark Sun said...

Muito boa cena, brutal mesmo. :)

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