Ando cansada, não faço nada de nada e, mesmo assim, continuo cansada. Enigmático, este meu cansaço constante.
Vou dar uma volta, depois de libertar o “até nunca mais” preso na garganta, ou no emaranhado de neurónios avariados dentro da minha máquina cerebral. Não sei, ao certo, qual a prisão habitual dessas três palavrinhas. Também não estou interessada em decifrar mistérios, pelo menos não agora, depois de ter batido a porta de casa e saído para a rua.
Preciso de ver jardins, mas nunca se vê o que se quer nos momentos certos. Não quando este cansaço insiste em me abraçar desta maneira sufocante. Agora, por enquanto, momentos certos não existem.
Casualmente páro de caminhar, durante esta viagem do “até nunca mais”, e perco-me a observar uma das montras situadas na berma da estrada. É a montra do Romance com o seu item mais procurado, “o homem ou mulher da Tua vida”, em destaque, colado ao vidro a espelhar. Que ridículo, quando já se é velho, e se tem o mínimo de experiencia, sabe-se que já muita água correu debaixo da ponte desde aquele primeiro “homem ou mulher da tua vida”. Se calhar é por isso que esta montra está situada ao lado das outras duas mais conhecidas: A montra do Ódio e a da Vingança.
Entro na lojinha, dirigida por uma velhota excessivamente maquilhada e com um cheiro intenso a perfume francês. Apetece-me tapar o nariz, vou ficar mal disposta com o cheiro a unto e flores. Ela mal me fala, pela minha expressão já sabe que venho devolver alguma coisa.
- Ó menina, aqui não há reembolsos, mesmo que me entregue o que daqui levou, não espere que lhe devolva o que pagou pelo quer que seja.
Ai a voz aguda. Até os meus ouvidos agora sofrem. Mas pronto, resignada, lá tiro a caixinha de memórias boas e más, de mais um romance falhado, da minha mala invisível, e fujo dali para fora o mais depressa que posso. A caixa lá ficou, e vai-se perder, mais dia menos dia, no meio de todas as outras.
Volto para casa, com um bocado do cheiro bafiento de romance estragado ainda entranhado na pele e espero, mais uma vez, por um outro “até nunca mais”. Continuo é cansada, tão cansada como quando saí para dar uma volta. Aquele tipo de cansaço de quem tem sono mas que teima em não se deixar dormir com medo de perder alguma coisa.
Texto por: Snow White
(A imagem é uma pintura de Chris Shields)
3 comments:
I really have to say that in all the things you write which I love so far there is always something which really blows me away , please keep them coming
"O que há em mim é sobretudo cansaço
Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço."
Obrigado pela volta que me levaste a dar, mas no meu caso com as tuas palavras deixaste-me sem cansaço para poder ler mais uma vez... =)
Post a Comment