Wednesday, September 16, 2015

Sr. Edmundo

O Sr. Edmundo tinha uma boneca. Daquelas de trapo com uma cabeça de porcelana. Era já um homem velho mas sempre que era avistado estava bem acompanhado da dita. Já todos se tinham habituado ao espectáculo pacato que os dois representavam. As crianças fizeram-se gente e desta gente nova brotaram outras crianças. A vila habituou-se ao Sr. Edmundo e agora quando lhe perguntavam pela saúde não se esqueciam de perguntar também pela da boneca. 

Apaixonou-se pela pequena quando ainda era rapaz novo, já naquela altura se comportava como um verdadeiro cavalheiro, e nunca deixou de olhar para aquela representação de gente com o mais nobre dos intentos. A irmã do Sr. Edmundo, uma perfeita tirana, deixava o inanimado ser em tudo quanto era sítio, até mesmo nas escadas, onde ocasionalmente a pobre coitada era pisada pela Mãe e arremessada para longe. O Sr. Edmundo, como qualquer outro homem enamorado, sofria com o tratamento destinado à boneca, até que um dia, coberto de vergonha mas cheio de coragem foi reclamá-la como sua ao quarto da irmã. Já foi tarde e não pôde salvar a pequena de um corte de cabelo que muito a desfigurou. Resgatou a boneca dos braços tiranos e infantis que a agarravam e tratou aquele infortúnio como se nada fosse pois o Sr. Edmundo não era "um daqueles sujeitos que só ligam às aparências".

Os homens da vila quando se zangavam com as suas mulheres e iam todos esbaforidos para o café comentavam alto entre eles que quem está bem “é o Sr. Edmundo, que tem uma boneca para companheira” e a isto o Sr. Edmundo sorria o seu sorriso calmo e segredava baixinho, numa voz que só a sua companheira ouvia, o quanto às vezes lhe custava que a cara de porcelana dela fosse tão fria.

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