Saturday, April 7, 2012

Rascunho (ou tpc)

Ela pega no batom cinzento e pinta os lábios. Completamente indistintos do resto da sua pessoa e imperceptíveis a olho nu. Ahh, mas ela gostava do gesto, daquele pequeno e imprescindível ritual. E, satisfeita com o seu aspecto cinzento, ela sai de casa e funde-se com o resto do mundo. Engolida pelos edifícios e cravada no chão das ruas a Sombra caminha, inconsciente da sua inconsciência e satisfeita em tornar-se uma só com as outras sombras. A simplicidade de uma comunhão com o único mundo que alguma vez conheceu preenche-a. Porque não precisa de mais, porque não sabe de mais. Tudo o que tem lhe chega. Não anseia por aquilo que não consegue percepcionar. Assim, ela não tem noção da importância de cores que não vê. Nada é mais real do que a sua secretária cinzenta que se une na perfeição com os seus braços enquanto escreve em folhas que não consegue ler. Imersa num mundo cheio de diferentes tonalidades da mesma cor ela sente-se satisfeita com as escolhas que acredita ter tomado. Mas, por vezes, quando desaparece ou se torna imperceptível no negro que a apaga, a Sombra treme e movimenta-se sem ser vista. Busca-se a si própria sem nunca ser bem sucedida em se encontrar. Então resigna-se no que sabe. No seu limitado conhecimento do mundo dependente de luz e formas para existir. E quando a luz a reaviva novamente, ela renasce nos seus limitados contornos e continua os seus afazeres, completamente inconsciente de que a vida que vive não lhe pertence. Na sua simplicidade não sabe que não passa de uma sombra no mundo das sombras.

3 comments:

Muiriath said...

Hum bom sem dúvida eu adorei mesmo por ser um mundo diferente que descreveste e sabes como eu gosto a forma como descreves, de novo uma forma que da paa ver um mundo desta vez totalmente diferente mas nao é por isso que fica menos interessante sem dúvida que valeu a pena ver e ler isto agora :P.
So keep it up man hoping for more to come , i really do !

Alexandre Severo said...

Muito bom.
Não me lembro onde ficou a minha sombra;
talvez no café ou no livro que tentei ler.
Não sou o real,não sou o que devia;
meu reflexo esfumaçado como a cozedura de uma carne qualquer numa aldeia distante completamente deserta.
Sou mau e ruim,porque não tenho mais nada para ser;
Porque me apetece,porque quero.
Só tu me impedes realmente,
de me desintegrar completamente,
de me desvanecer e ir,para junto daqueles que pensaram as mesmas coisas e até hoje nos chegaram como sombras.
Bj

Snow said...

Muiriath - Vamos lá ver se há mais hehe

Seth - Acho que o comentário que deixaste consegue ser bem melhor que o post em si.

:) Bem que me motivas a ir escrevinhando mais qualquer coisa *

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