O Sr. Edmundo tinha uma boneca. Daquelas de trapo com uma cabeça
de porcelana. Era já um homem velho mas sempre que era avistado estava bem acompanhado
da dita. Já todos se tinham habituado ao espectáculo pacato que os dois
representavam. As crianças fizeram-se gente e desta gente nova brotaram outras
crianças. A vila habituou-se ao Sr. Edmundo e agora quando lhe perguntavam pela
saúde não se esqueciam de perguntar também pela da boneca.
Apaixonou-se pela pequena
quando ainda era rapaz novo, já naquela altura se comportava como um verdadeiro cavalheiro, e
nunca deixou de olhar para aquela representação de gente com o mais nobre dos
intentos. A irmã do Sr. Edmundo, uma perfeita tirana, deixava o inanimado ser
em tudo quanto era sítio, até mesmo nas escadas, onde ocasionalmente a pobre
coitada era pisada pela Mãe e arremessada para longe. O Sr. Edmundo, como
qualquer outro homem enamorado, sofria com o tratamento destinado à boneca, até
que um dia, coberto de vergonha mas cheio de coragem foi reclamá-la como sua ao
quarto da irmã. Já foi tarde e não pôde salvar a pequena de um corte de cabelo
que muito a desfigurou. Resgatou a boneca dos braços tiranos e infantis que a agarravam e tratou aquele infortúnio como se nada fosse pois o Sr. Edmundo não era "um daqueles sujeitos que só ligam às aparências".
Os homens da vila quando
se zangavam com as suas mulheres e iam todos esbaforidos para o café comentavam
alto entre eles que quem está bem “é o Sr. Edmundo, que tem uma boneca para
companheira” e a isto o Sr. Edmundo sorria o seu sorriso calmo e segredava
baixinho, numa voz que só a sua companheira ouvia, o quanto às vezes lhe custava que a cara de
porcelana dela fosse tão fria.