Há noites que são mais longas do que outras. Um desfecho
dorido às vezes não sara mais depressa só porque se muda a ligadura que se
colou à ferida. E é isto. Os velhos ficam mais velhos e os novos acham-se
velhos. Vestem então, com pouca dignidade, a pele de velhos. Tempos modernos,
dizem os que não sabem melhor. E eu olho por ti. Meu amor, meu homem criança.
Um velho com pele de jovem. Diz lá, o que te vai na cabeça? Ostentas com tanto
orgulho essa barba ruiva de traquinas e esses olhos tristes de cão, bem-amados
por quem te quis bem. “São verdes-floresta”, diz ele a rir-se com os dentes
curtos à mostra. Belos dentes de ex-fumador. Vejo-o a rejuvenescer de dia para
dia. “Nem vinte anos lhe dão”. É outra
vez um menino, puro com lábios de morango. E eu vou tendo saudades dele, arrependo-me
das saudades e penso nos dias que virão. Melhores dias virão, dizem novamente aqueles
que não sabem melhor.
Sunday, December 27, 2015
Wednesday, September 16, 2015
Sr. Edmundo
O Sr. Edmundo tinha uma boneca. Daquelas de trapo com uma cabeça
de porcelana. Era já um homem velho mas sempre que era avistado estava bem acompanhado
da dita. Já todos se tinham habituado ao espectáculo pacato que os dois
representavam. As crianças fizeram-se gente e desta gente nova brotaram outras
crianças. A vila habituou-se ao Sr. Edmundo e agora quando lhe perguntavam pela
saúde não se esqueciam de perguntar também pela da boneca.
Apaixonou-se pela pequena
quando ainda era rapaz novo, já naquela altura se comportava como um verdadeiro cavalheiro, e
nunca deixou de olhar para aquela representação de gente com o mais nobre dos
intentos. A irmã do Sr. Edmundo, uma perfeita tirana, deixava o inanimado ser
em tudo quanto era sítio, até mesmo nas escadas, onde ocasionalmente a pobre
coitada era pisada pela Mãe e arremessada para longe. O Sr. Edmundo, como
qualquer outro homem enamorado, sofria com o tratamento destinado à boneca, até
que um dia, coberto de vergonha mas cheio de coragem foi reclamá-la como sua ao
quarto da irmã. Já foi tarde e não pôde salvar a pequena de um corte de cabelo
que muito a desfigurou. Resgatou a boneca dos braços tiranos e infantis que a agarravam e tratou aquele infortúnio como se nada fosse pois o Sr. Edmundo não era "um daqueles sujeitos que só ligam às aparências".
Os homens da vila quando
se zangavam com as suas mulheres e iam todos esbaforidos para o café comentavam
alto entre eles que quem está bem “é o Sr. Edmundo, que tem uma boneca para
companheira” e a isto o Sr. Edmundo sorria o seu sorriso calmo e segredava
baixinho, numa voz que só a sua companheira ouvia, o quanto às vezes lhe custava que a cara de
porcelana dela fosse tão fria.
Labels:
Sleepless nights,
Stories I Wrote
Tuesday, September 1, 2015
Sunday, May 31, 2015
Saturday, April 25, 2015
Thursday, April 23, 2015
Tuesday, April 21, 2015
Perdoem o meu francês
Tenho insistido ao longo dos anos – em parte por culpa dos
homens que tenho tido a sorte de considerar meus amigos – que o sexismo é uma
idiotice que as mulheres teimam em afirmar que persiste como uma poderosa e
eterna infestação de pulgas. Não é que tenha descartado o conceito do meu dia a dia pois estou claramente consciente da indiscutível presença do mesmo,
mas sempre que ouvia uma mulher comentar que o Sr. “Eu é que sei e Tu não” é um
tipo muito sexista pensava frequentemente
que “se calhar a autora do comentário devia estar à espera de um tratamento
especial”. Não me orgulho de ter feito este tipo de julgamentos.
Nos últimos anos tenho vindo a mudar de opinião. E tenho
vindo a mudar de opinião por causa de artigos como este.
Esta vaga de sexismo que tenho sentido a crescer,
principalmente a nível intelectual, confunde-me. Na bela era em que vivemos, na
qual cada vez mais vejo as mulheres a desempenharem papeis realmente relevantes
a nível cultural, politico, educacional etc., está finalmente a deixar a sua
marca vincada na história da humanidade. Não era isso que o queríamos?
Igualdade? Pois a Igualdade está aos poucos a fazer-se notar e não tem sido particularmente
bonita de se ver graças a artigos como o que referi em cima.
Há poucas tarefas mais complicadas do que a tentativa de afirmação
de uma mulher num mundo ou tema comandados por homens. Confesso abertamente que
não me vejo sequer a tentar integrar (muito menos com sucesso) num meio dominado pelo sexo masculino, pois a verdade é
a seguinte: às primeiras piadas, à constante necessidade de exprimir seriedade
forçada sempre que abrisse a boca e a partir do momento em que sentisse a minha
confiança ruir pedia para que me indicassem onde é que se situava a porta de
saída mais próxima. Em suma, é preciso ter estofo, principalmente quando o
sexismo é menos óbvio e se refugia em “factos científicos”. Por exemplo, sabiam
que o cérebro do homem é maior que o da mulher? Sim, e? Na verdade nada
realmente comprova que as funcionalidades e capacidades do homem e da mulher não
sejam, na sua base, idênticas. No final de contas, o corpo do homem é também
maior que o da mulher, tal como o cérebro da baleia azul pesa mais do que 5 kg. E quanto à inteligência emocional (outro facto), a eterna esmola do
sexista que ainda não saiu do armário, por favor não me obriguem a ser crude ao
indicar onde é que eu acho que a deviam meter.
É já de si extremamente difícil para a maioria da população feminina conseguir passar a barreira inicial (isto é – serem levadas a sério) fomentada durante
séculos e séculos por uma sociedade patriarcal cuja base reside inevitavelmente na força física –
e no final do caminho as mulheres ainda correm o risco de serem desacreditadas porque as saias que escolheram usar hoje são ligeiramente mais curtas do que as dos outros dias.
Seguem-se
depois, sem evidente pressa, os nobres e eloquentes indivíduos que usam o
prémio Nobel (entre outros) como argumento da superior inteligência masculina.
Como é que poderiam haver mais elementos femininos a ganhar o que quer que seja? Só o
facto de muitas mulheres conseguiram dar um passo avante em torno de áreas “que
não lhes dizem respeito” e sujeitarem-se a um julgamento pré concebido, a
pressões despropositadas e a piadas de mau gosto e mesmo assim chegarem ao fim com
força para iniciarem um novo projecto vale uma vénia. Mas devia valer mais, devia valer um indiscutível respeito.
O pior do sexismo é provavelmente o afastamento que gera entre as próprias mulheres, e este é inconsciente, o que origina uma incapacidade
de união que em nada ajuda o propósito da evolução. As mulheres ao detectarem
um certo desdém por parte dos homens em relação a outras mulheres têm tendência
a afastarem-se das mesmas e a aliarem-se aos homens de forma a destacaram-se e
a não passarem pelo mesmo tipo de sexismo. Logicamente este tipo de comportamento empata ainda mais o caminho para a, agora já bastante distorcida, igualdade.
A mulher tem sempre qualquer coisa a provar, que é digna, inteligente,
capaz e até que é sexual (e depois cai nestas parvoíces de exaltar filmes que
deviam estar escondidos juntos com as revistas porno dos anos 90 que muitos
homens guardavam no fundo do armário das meias – ou não necessariamente, mas
espero que compreendam onde quero chegar). A queda no ridículo não devia ser um risco tão constante.
Indo mais longe (já que vim até aqui), não interessa quem fez com que a raça humana evoluísse, quem
tocou primeiro na pedra filosofal (porque verdade seja dita – ninguém vai
realmente adivinhar qual dos sexos aprendeu primeiro a falar, a cultivar a
terra ou a pintar nas paredes – apesar de que nesta última situação vários estudos
defendem que as mulheres eram mais dadas às pinturas rupestres que os homens –
para quem for curioso eis o artigo).
A mensagem que pretendo passar é bastante simples: não
devemos pôr limitações a nenhum dos sexos, principalmente a nível intelectual.
Se as vossas filhas aos seis anos sonham em ser astronautas, ou eventualmente especialistas em física
quântica não somos nós ou vocês que lhes vamos colocar entraves pelo simples motivo de terem nascido mulheres ou
mostrar-lhes interesses mais “adequados”. No fundo, o que as mulheres querem e continuam a querer é
apenas a oportunidade de poderem sonhar da mesma forma que os homens e é aí é que reside a igualdade. Liberdade para se ser quem se quiser
ser e não ter receio de um eventual desejo de voo para fora da zona de
conforto, de preferência para o espaço. Não ter de ser uma luta constante ajuda, pois não há nada mais desmotivador do que, além de se ter de lutar pelos nossos objectivos, ter também de se lutar contra inseguranças impostas pelos outros.
Escrevi isto de rajada (possivelmente enervada), espero não ter dado muitos erros ortográficos ou sido desrespeitadora. Se fui, culpo o meu entusiasmo mas deixo em baixo um video relativamente divertido para suavizar a eterna guerra dos sexos.
Nota: Isto nunca me aconteceu - os ditos geeks Portugueses são bons tipos.
Saturday, March 21, 2015
Monday, March 2, 2015
Ao Rogério (Parte II)
Hey,
Hoje
Escrevo-te do futuro.
De um futuro aristocrático que vive dentro de um pudim. Não pensei que o futuro fosse assim quando construí a máquina do tempo mas enfim, não me vou queixar, tive de arriscar para te poder ver neste mundo onde mal me consigo mexer. E agora? É que não sei se consigo comer mais deste pudim e a tua casa, esta tua casa no futuro, ainda está tão longe que não me vejo a chegar lá ainda hoje.
De um futuro aristocrático que vive dentro de um pudim. Não pensei que o futuro fosse assim quando construí a máquina do tempo mas enfim, não me vou queixar, tive de arriscar para te poder ver neste mundo onde mal me consigo mexer. E agora? É que não sei se consigo comer mais deste pudim e a tua casa, esta tua casa no futuro, ainda está tão longe que não me vejo a chegar lá ainda hoje.
Ada
“...for the human brain can become the best torture house of all those it has invented, established and used in a millions of years, in millions of lands, on millions of howling creatures.”
Vladimir Nabokov, Ada, or Ardor: A Family Chronicle
Relatos salvajes
Domingo.
Chove a cântaros.
Três caixas de bolachas no armário da cozinha.
Portanto, Sugar rush e um bom filme?
E com esta premissa de aborrecimento domingueiro dei com o filme em baixo por mim agora sugerido:
6 relatos diferentes (Pasternak, Las ratas, El más fuerte, Bombita, La propuesta e Hasta que la muerte nos separe), engenhosamente retratados de uma forma descontrolada, negra e divertida. Todos os 6 me divertiram, contudo o relato que preferi foi o último, pois acredito que noivas sangrentas nunca são demais, acho que é uma temática que ainda tem muito para dar. Não há nada como um vestido manchado de sangue para me arrancar um sorrisinho malvado.
Chove a cântaros.
Três caixas de bolachas no armário da cozinha.
Portanto, Sugar rush e um bom filme?
E com esta premissa de aborrecimento domingueiro dei com o filme em baixo por mim agora sugerido:
Relatos salvajes - comédia Negra de Damiàn Szifron.
6 relatos diferentes (Pasternak, Las ratas, El más fuerte, Bombita, La propuesta e Hasta que la muerte nos separe), engenhosamente retratados de uma forma descontrolada, negra e divertida. Todos os 6 me divertiram, contudo o relato que preferi foi o último, pois acredito que noivas sangrentas nunca são demais, acho que é uma temática que ainda tem muito para dar. Não há nada como um vestido manchado de sangue para me arrancar um sorrisinho malvado.
Labels:
Movies
Thursday, February 5, 2015
Amado Rogério
Lá estava ela, a mulher à janela, melodiosamente camuflada
pelo reflexo de uma cortina no vidro.
Rogério. Rogério é um bom nome. Todos dizem que não podia ter sido melhor escolhido. Amado
pela mãe e pelo pai, amado pelos vizinhos da rua onde cresceu, pelos amigos,
amado até ao último cão e gato com quem se cruzava.
Rogério, a quem todos amavam, ansiava por ser amado pela
mulher atrás da cortina encarnada.
Ela morava num prédio, ele morava numa Casa. Daquelas com jardim.
Deu com a mulher depois de ter dado com o céu estrelado. Feita de raios de luz
que formavam uma imagem óptica real, lá estava ela, ampliada geometricamente no
fundo de um tubo.
(E coisas)
Subscribe to:
Posts (Atom)